top of page

À minha avó.

A minha avó tem, hoje, Alzheimer avançado.

E, carcomida pelo enguiço da doença, está em uma cama com fio de soro improvisado no quarto dos fundos.

Enfermeiras jovens se revezam e algumas até cantam pra ela.

Não é fácil de ver.

Ela esteve sempre tão bonita, mas o definhado da sua boca mostrando a arcada, que não se fecha, é lancinante e doído.

 

O que ela vê enquanto dorme no silêncio da sua doença?

 

Lufada de vento no umbral da casa da infância?

Jardim mesclado à cor do vestido amarelo puído dos seus quinze? Camada espessa de pó cobrindo a penteadeira, uma vela acesa, um pente rústico e um colar de contas?

Talvez, no breu, ela veja de novo o sorriso da primeira filha no seu colo, criança.

Talvez veja também o alumiar da brasa no forno de tijolos pra cozinhar o porco ou o esguicho do poço artesiano quando vaza.

Mas pode ser que nem tudo seja bom no silêncio entre dentes.

 

Eu vejo nela o jardim. Um fervoroso jardim da infância.

 

Que, habitado às escondidas, por entre folhagens revoltas, gramíneas imensas, cascas e troncos corados, tijolos e pedaços de coisas feito casas pra os sapos está um papagaio falante!

Vejo mais.

Eu vejo as miúdas coisas enroladas em suas mãos, os brotos, mudas de flores, folhas pra chá, pencas e ramalhete.

Eu vejo também o seu caminhar.

Lento com a dificuldade dos anos no corpo sob o obstáculo da própria terra, uns artefatos daquele jardim.

Era bonito de se ver.

 

Era bonito de se ver; flanando viva,

por entre folhas.

Dezembro, 2023

Apresentado na exposição coletiva "Na Planta"

em São Paulo, 9 e 10 de dezembro, 2023.

©2023 by Matheus Chiaratti.

bottom of page