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NEON DAYLIGHT

IS

A GREAT

PLEASURE 

 

 

 

Texto publicado originalmente no Villa Lena Journal, clique aqui.

It may be that poetry makes life's nebulous events tangible to me and restores their detail;

or conversely, that poetry brings forth the intangible quality of incidents which are all too concrete

and circumstantial. Or each on specific occasions, or both all the time. 2

 

Frank O’Hara

Escrevo de Vedano al Lambro, no norte da Itália, em um apartamento fechado frente a janelas de outros apartamentos onde vizinhos não habitam, ou se habitam, não se mostram; transito o dia todo entre os meus pensamentos e a observação da mudança da luz. Vai ser meu primeiro ano de inverno europeu e já sei que vou sentir muita falta da claridade do ateliê em Palaia.

 

Entre notas dispersas no caderno e no gravador do celular, revisito algumas imagens e ainda assim tudo parece difuso, exceto os meus movimentos. Me concentro um pouco mais e recomeço este texto.

 

Estou aqui para escrever sobre o meu processo de ateliê durante a estadia de menos de um mês, em outubro, na Villa Lena.

Poeta do Sul é a ocupação desordenada, intuitiva e religiosa da minha experiência com a poesia de Frank O’Hara (1926-1966) sob a luz de Palaia.

 

Instalei pequenas pinturas sobre tela, camisa, linho e objetos em um processo caótico pautado por momentos de invocações à memória e presença do poeta. Seus poemas de almoço me arrebataram como um neon aceso em dia de luz, e conduzi toda a experiência nessas semanas de ateliê de modo a permitir que esse arrebatamento deixasse rastros pictóricos, esculturas como artefatos, uma camisa, que é um manto, e uma sensação de luz e calma na instalação do Sul.

 

Terminadas as semanas na Villa Lena, corri até Florença para produzir o print junto a Luís e a outros caras do Il Bisonte, tradicional escola de litogravura, com quem a Fundação colabora já há algum bom tempo. Lá, me deparei com desafios opostos à prática caótica e intuitiva de ateliê; a produção da litogravura exigia uma atenção e controle inesperados, aguardar os tempos da química, refazer, esperar a secagem, ajustar a prensa, a aparição da imagem! Tinha a certeza, no entanto, de que a lito deveria ser o resumo do Poeta do Sul de forma direta e simples e, portanto, recriei nela a capa do seu “Lunch Poems” em um desenho rápido, marcado por riscos profundos e entalhes ligeiros de letras tortas, mas perfeitamente emolduradas em um vermelho alaranjado que é o tal neon do great pleasure, verso-título deste texto, um milagre. A litogravura será uma espécie de portal, o anúncio de uma experiência redentora e potencialmente espantosa (que é a poesia do Frank).

 

Imediatamente, me veio à cabeça as semelhanças entre o processo da litogravura e a imprensa antiga de Gutenberg. Ambas impressões são marcadas à força e exigem extrema precisão. Nesse sentido, gosto de pensar que o meu print seria a mímesis do resultado de uma imprensa antiga, em um processo de construção de um livro que não está lá, senão o seu vestígio.

 

É nessa confusão de materialidades e narrativas que construo o meu pensamento artístico, como em um mise en abyme, cuja vertigem nos leva a uma dissolução do significado único e amplia a potencialidade das experiências. Assim é toda obra de arte (e a poesia), uma queda contínua em precipício sem possibilidade de reparação.

 

Notes:

 

1. O’Hara. F (1964). Lunch Poems. City Lights Books.

From his poem “A Step Away from Them”,

available in this link https://www.frankohara.org/writing/

 

2. O’Hara, Frank. (2008, September 13). Creative Writing. North Dakota State University. https://www.ndsu.edu/pubweb/~cinichol/CreativeWriting/423/OHara.htm

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