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Uma pequena organização de trabalhos para atenuar a solidão

de uma quarentena em um quarto de Airbnb em Londres

 

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RR

 

RR não é propriamente uma exposição, não está aberta ao público e tampouco é, em certo sentido, uma reunião significativa (em termos numéricos) de trabalhos criados em um período longo de tempo, envolvendo estratégias poéticas e montagem previamente concebidas. Pelo contrário, a exposição - decido manter esse termo como um statement consciente - é um acidente, é um acaso, é o resultado de um ócio afetivo.

Estou em um quarto de airbnb trancafiado em uma quarentena obrigatória no único país da Europa que aceita brasileiros em seu território neste momento. Chegar até aqui envolveu um planejamento arriscado com consequências incertas. Era, no entanto, a chance que tinha para seguir com os meus planos urgentes de concluir um processo de cidadania italiana e cumprir com o meu compromisso na residência artística Villa Lena, marcada desde meados de 2019.

Tomando todos os cuidados sanitários, enfrentando uma barreira alfandegária hostil, consegui finalmente entrar no país sob o entendimento de que meus próximos quinze dias seriam marcados pelo isolamento. Falar de isolamento seis meses após a OMS decretar uma pandemia sem precedentes é, no mínimo, uma obviedade, mas cruzar a fronteira e habitar um país com o qual não se compartilha idioma, cultura, afeto, eis a novidade.

Alguns parágrafos introdutórios e necessários contextualizam o que é essa reunião de trabalhos.

 

Trouxe comigo três peças: um envelope contendo duas fotografias impressas em papel matte, uma pintura a óleo e um fragmento de meteorito com certificado, elementos que conduziram o meu pensamento e o meu interesse nessas últimas semanas.

Somam-se a elas um desenho em duas partes em papel pautado e um conjunto de recortes de jornal. Objetos de desejo narrativo e sexualizado.

As duas fotografias são de naturezas-mortas de flores, sementes, folhas e favo de mel secos, sem o brio das cores saturadas da natureza pungente, contrastadas com a tábua da madeira que as recebe. No entanto, o receptáculo de uma flor centralmente fotografado insinua um pênis coberto pelo seu prepúcio.

Na outra imagem, em direção oposta, aponta um outro falo - este de carne e músculo, semiereto, contraponto em cor e luz, mas integrado completamente àquela natureza que o circunda: formas orgânicas, complexas em detalhes, veios e texturas. Ambas imagens postas lado a lado sugerem um encontro fálico, apetitoso. Natureza com natureza se encontra.

Por sua vez, a pintura a óleo é uma paisagem enigmática com um sol avermelhado ao canto, um círculo incompleto de um lago, troncos eretos. A paisagem é inspirada nas pinturas de

Forrest Bess (1911-1971), artista fascinante que descobri durante a quarentena, cuja relação com a sexualidade - através de Jung e das mitologias originárias - o fez buscar novos entendimentos para o seu corpo e para a sua vida.

 

Ao lado, um pequeno fragmento de pedra, em uma caixa que bem poderia ser museológica ou um porta-relíquia, descansa sobre um certificado de papel: Certifico a autenticidade dessa amostra, a mesma da foto, sendo Meteorito Avanhandava do tipo H4. Garanto a legitimidade dessa amostra.

O meteorito Avanhandava é um dos quatro casos registrados de queda de bólide no estado de São Paulo. Ocorrida em 1952, a poucos quilômetros da minha cidade natal, a queda do meteorito  de mais de 9Kg em uma plantação de café na zona rural gerou tamanha surpresa e curiosidade que ficou exposto na farmácia central da pequena cidade do interior até ter as suas partes separadas e encaminhadas ao Museu Nacional, no Rio de Janeiro, e ao Museu Geológico de São Paulo. 

O interesse pelo fragmento sideral é um interesse pela narrativa, pela confirmação de um causo que, através do objeto, comprova, rememora e ratifica uma história de imaginário local e específico, atraindo um grupo de interessados, cientistas e colecionadores.

O objeto per se personifica um desejo e um mistério.

Recortes do jornal The Daily Mail criam formas fálicas, estampadas de trechos de notícias e fotografias também coladas entre si, em uma espécie de corpo articulado e retilíneo. Ao chão, um outro recorte restitui o perfil do poeta Arthur Rimbaud (1854-1891), retirado de uma caricatura sua com chapéu e cabelos compridos à época da sua estadia em Londres. Rimbaud aqui viveu um famigerado romance com o também poeta Paul Verlaine (1844-1896) nos anos 1872 e 1873 meio a brigas e dificuldades financeiras.

O desenho em duas partes é também uma cópia adulterada dessa mesma caricatura. Vê-se Rimbaud excitado, de pau duro gigantesco que toca a borda da folha pautada. O personagem histórico, geograficamente próximo a mim, suscita fascínio, e é transposto para um retrato de fantasia sexual, escancarada, figurada e impossível. 

 

Os fragmentos, por fim, rememoram todos uma totalidade inalcançável, motor do desejo sexual, poético, narrativo.

São pequenos oásis de um quarto fechado.

INFO

RR - Matheus Chiaratti

durante o período obrigatório de quarentena

em um quarto de Airbnb. Wimbledon, Londres, UK

27 de Setembro - 10 de Outubro de 2020

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©2020 by Matheus Chiaratti.

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